Debate sobre via de acesso à cannabis medicinal ganha força com possível revisão regulatória da Anvisa
Especialistas vão discutir os avanços e desafios do uso terapêutico da planta em diferentes áreas da medicina durante o Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal em São Paulo
Publicada em 27/04/2025

Produtos de cannabis . Imagem Ilustrativa: Canva Pro
Principal via de acesso aos produtos à base de cannabis em 2024, com 47% dos 672 mil pacientes no Brasil, segundo o 3º Anuário da Cannabis Medicinal no Brasil, a RDC nº 660 tem ganhado os holofotes dentro do setor, especialmente após entrar na agenda de discussão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em abril, o diretor Daniel Pereira confirmou, durante a 5ª Reunião da Diretoria Colegiada (Dicol), que o processo regulatório para revisão da RDC deve ser iniciado em junho de 2025.

Responsável por definir os critérios e procedimentos para a importação de produtos derivados da planta, a resolução é considerada, por especialistas, um marco histórico.

Mesmo com a solicitação de autorização para importação de produtos derivados de cannabis ocupando a quinta colocação entre os serviços mais utilizados no Portal Gov.Br em 2024, a revogação da RDC 660 é vista como inevitável por Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma).
"É necessário evitar que produtos sem registro e sem nenhum controle sanitário sejam utilizados no Brasil", destaca o representante do Sindusfarma, que, em outubro de 2024, enviou um ofício à Anvisa manifestando seu descontentamento com a norma.
Segundo ele, é necessário regulamentar o mercado de cannabis no Brasil. "O setor no país é pequeno e assim continuará se não houver uma regulação que priorize a qualidade e a segurança do paciente".
Com isso, executivo defende a prevalência da RDC 327, que dispõe sobre fabricação, importação, comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização de produtos de cannabis para fins medicinais.
"A Anvisa sempre zelou pela qualidade e eficácia dos medicamentos utilizados no Brasil. Essa forma de agir da Agência é uma segurança para nossa população".
Qualidade dos produtos brasileiros
A Universidade de Brasília (UnB) em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) conduziram um estudo avaliando a rotulagem de produtos à base de canabidiol (CBD) disponíveis no Brasil.
Entre os produtos analisados, 47 foram classificados como satisfatórios, 39 como pouco satisfatórios e 19 receberam avaliação muito satisfatória. Para os autores, as discrepâncias apontam para a necessidade de padronização e maior controle, especialmente no que diz respeito aos produtos importados diretamente por pacientes.
RDC's e saúde em debate

Confirmados como palestrantes no Módulo MedCan – Especialidades, Nelson Mussolini, Jackeline Barbosa e Francisney Nascimento seguem contribuindo para o debate sobre cannabis medicinal no 4º Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal, que acontece de 22 a 24 de maio de 2025, no Expo Center Norte, em São Paulo.
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O módulo MedCan – Especialidades traz uma abordagem clínica e aplicada do uso da cannabis em diferentes especialidades médicas, com foco em condições complexas e condutas baseadas em evidências.
Tópicos estratégicos como inteligência artificial e big data na personalização de tratamentos, nanotecnologia, microdosagem, potencial antitumoral dos canabinoides e os caminhos regulatórios com base nas RDCs 327 e 660 da Anvisa, serão abordados.
10 anos de importação em 2025

A RDC nº 17/2015 — posteriormente substituída pela 660 —, deu início as importações de cannabis no Brasil. Uma década depois, a médica Jackeline Barbosa destaca o momento vivido pelo país à época, que pedia à Anvisa condições emergenciais para a importação de produtos de cannabis por pessoas físicas.
Já o farmacêutico farmacêutico Francisney Nascimento, entende a criação da norma como um símbolo importante e de sensibilização da Agência para com pacientes e famílias que necessitavam desses produtos. Segundo ele, a via que garante a importação cumpriu parcialmente sua função, se considerada a saúde como um direito humano e a essencialidade do acesso a medicamentos.
Contudo, com o advento da RDC 327 e o fortalecimento de associações, mesmo sob liminares judiciais, há uma “perda de espaço” para a RDC 660. Por isso, ele entende que a revogação da norma é um caminho natural.
Caminhos com a possível revogação
Vislumbrando um futuro sem 660, Jackeline prevê dois caminhos para os prescritores: prescrever um dos produtos já autorizados pela Anvisa, adequados à condição clínica do paciente, ou utilizar a prerrogativa prevista na Resolução RDC 38/2013, que estabelece os programas de uso compassivo de medicamentos.
“O uso compassivo permite a disponibilização de medicamento novo, ainda sem registro na Anvisa, que esteja em processo de desenvolvimento clínico, destinado ao uso pessoal de pacientes portadores de doenças graves ou que ameacem a vida e sem alternativa terapêutica satisfatória com produtos registrados no país”, explica.
Segundo a médica, atualmente a RDC 327 é, em grande parte, capaz de suprir o mercado brasileiro de cannabis, com 26 produtos à base de CBD e 13 contendo extratos de cannabis sativa, "com composição mais diversificada em termos de constituintes fitoquímicos, ainda que concentrados em CBD, na grande maioria”.
Entre fitoterapia, farmácia e o direito ao acesso

Enquanto isso, Francisney olha para o passado e destaca a importância do uso tradicional da cannabis. Para ele, o debate vai além da continuidade da RDC 660 ou da RDC 327. “Não posso aceitar que apenas o uso farmacêutico seja permitido. Seria como exigir que as pessoas só pudessem usar a erva-baleeira em forma de pomada de uma marca, e não pudessem ter a planta em casa ou comprar numa feira de domingo”.
Ele ainda alerta para o impacto expressivo de uma eventual revogação da RDC 660, considerando o número de pacientes que adquirem medicamentos por meio dessa via. O custo elevado dos produtos nas farmácias também é uma preocupação.
Segundo ele, a distribuição de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) torna-se indispensável nesse processo. "Os agentes precisam tomar todos os cuidados possíveis para não deixar os pacientes desassistidos. Esse seria o maior impacto na vida das pessoas. É esse impacto que deve ser avaliado”.