"Quem são os bons usuários?", pergunta Clayton Medeiros sobre fala de deputado da Bancada da Bala
Advogado alerta para os riscos de criminalizar corpos com base em estigmas e reforça importância da redução de danos
Publicada em 11/04/2025

Advogado Clayton Medeiros (esquerda). Imagem: Raphael Cruz; Deputado Alberto Fraga (direita). Imagem: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados
O deputado federal Alberto Fraga (PL-DF), presidente da chamada Bancada da Bala, afirmou ser contra a prisão de pessoas que usam maconha. "Tem gente que fuma um baseado para descontrair, mas é um cumpridor dos seus deveres. Já o da cocaína, eu penso diferente. Mas já estou indo para outra linha: hoje em dia, eu digo para os meus policiais: não prendam, não adianta prender" afirmou o deputado.
A fala ocorreu, nesta terça-feira (8), durante o debate de um projeto de lei que busca dispensar cidadãos da obrigatoriedade de exame toxicológico para comprar e registrar armas de fogo. Em da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, Fraga votou contra a exigência, o que, na prática, permitiria que usuários de drogas tivessem acesso a armamentos.
Quem define os “bons” e “maus” usuários?
Para o advogado Clayton Medeiros, embora a declaração de Fraga possa sugerir algum avanço no debate sobre drogas, ela ainda carrega os mesmos vícios do proibicionismo seletivo. "Não é possível classificar usuários como 'bons' e 'maus'. Essa é uma definição que relativiza uma luta centrada em salvar vidas em meio a uma guerra genocida e racista, alimentada pelo Estado", pontua o especialista.
Medeiros explica que a diferenciação feita entre quem “cumpre seus deveres” e apenas “fuma um baseado para relaxar” e os usuários de outras drogas contribui para reforçar estigmas e desigualdades. O advogado ainda destacou que a ideia de que "não adianta prender" pode soar progressista, mas esconde uma lógica de julgamento moral baseada no tipo de substância utilizada.
"Isso é grave. É como se certas pessoas, mesmo sem cometer qualquer crime, precisam da aprovação social para serem vistas com dignidade. A consequência disso são abordagens policiais truculentas, violações de direitos humanos e prisões indevidas. Essa lógica fere princípios como a isonomia e a dignidade da pessoa humana, além de enfraquecer as políticas de redução de danos".
Para o advogado, discursos desse tipo representam um retrocesso no debate sobre a política de drogas no país "A luta antiproibicionista não é sobre defender uma droga em detrimento de outra. É sobre defender vidas. Os corpos e os indivíduos são livres para fazer suas escolhas. O Estado não deveria interferir criminalizando, mas sim proteger e acolher com políticas públicas de saúde e redução de danos", conclui.
Parecer rejeitado
A Comissão de Segurança Pública rejeitou o parecer que visava dispensar cidadãos da necessidade de apresentar exame toxicológico negativo para adquirir e registrar armas de fogo. A proposta, de autoria do senador Styvenson Valentim (PSDB-RN), foi protocolada em 2019 e segue em tramitação na Câmara. O texto ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ir ao plenário.