"Os cultivadores acordaram com fuzis apontados para o rosto", diz Diretora de associação após PF queimar 900 plantas de cannabis

Associação enfrenta dificuldades após a operação que destruiu óleos e plantas de cannabis usados ​​no tratamento de quase 900 pacientes

Publicada em 17/03/2025

"Os Cultivadores acordaram com fuzis apontados para o rosto", diz Diretora de associação após PF queimar 900 plantas de cannabis

Polícia Federal queima plantas de maconha de associação de cannabis. Imagem: Divulgação Polícia Federal de Santa Maria, RS

Na manhã de sexta-feira (14), a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão nas propriedades da Associação Canábica Medicinal (ASCAMED), localizadas em Caçapava do Sul e Santa Maria, cidades do Rio Grande do Sul. Durante a operação "Desvio Verde", foram confiscados cerca de 350 frascos de óleos à base de cannabis e algumas plantas. Além disso, 900 plantas, entre pés e mudas, foram incineradas, e outros materiais destruídos.

 

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Frascos de óleo de cannabis da ASCAMED confiscados pela PF. Imagem: Arquivo

Segundo a Diretora Social da ASCAMED, Júlia Silvester, além da apreensão dos medicamentos, os membros da associação foram tratados de forma agressiva. “Os cultivadores acordaram com um fuzil apontado para eles”, relata. No decorrer da operação, os policiais foram informados sobre o trabalho realizado pela associação e, conforme Júlia, no final, houve certa sensibilização pela destruição de produtos com fins medicinais.

Agora, a ASCAMED busca apoio de outras associações de cannabis para continuar atendendo os quase 900 pacientes que dependem dos óleos. “Recebemos várias mensagens de tutores preocupados, pois seus animais estão com os sintomas controlados e, infelizmente, podem sofrer alterações no tratamento”, afirma Carollina Mariga, médica veterinária da associação. Ela ressalta o efeito cascata que a operação pode causar, forçando muitos pacientes a recorrerem a tratamentos convencionais, que não têm sido eficazes.

 

"Eu não estaria aqui se não fosse na ASCAMED"

 

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Renata Augusta de Miranda, médica de 33 anos. Imagem: Arquivo pessoal. 

Renata Augusta de Miranda, médica e portadora de depressão e ansiedade severa, com muitos quadros de ideação suicida e crise de pânico, encontrou no óleo de cannabis da associação uma saída para o fundo do poço. “Eu fiquei dias sem tomar banho, sem comer e estava preso em um looping de uso de álcool e cigarro”, relembra Renata.

Segundo ela, os cinco anos de tratamento com medicamentos convencionais não foram tão eficazes quanto o uso do óleo de CBD. “Eu ressuscitei. O CBD me deu forças para mudar completamente meu estilo de vida.”. Renata agora se preocupa com o fim do seu frasco rico em CBD. “É a primeira vez que não sei se vou conseguir o meu óleo. Estou com medo".

Outro caso preocupante é o da cadela Pitu, que sofre de dermatite atópica, que vinha sendo tratada com o óleo da associação há três anos. “Já aconteceu de ficar sem o óleo - por descuido meu - e a Pitu teve complicações como urticária e descamação na pele, A verdade é que somos bem dependentes do tratamento canábico”, relata o tutor, Guilherme Cabral.

Com apenas meio frasco, Guilherme tem menos de um mês para achar uma alternativa. "O medicamento estava na plantação e foi destruído. A gente precisa da associação, é uma questão de saúde, não de lazer. Temos a necessidade de ter um local que forneça essa possibilidade".

 

As investigações e a situação jurídica da associação

 

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PF em plantação de cannabis da ASCAMED Imagem: Divulgação Polícia Federal de Santa Maria, RS

 

A operação da Polícia Federal teve início em 2024, quando foi identificada uma plantação de cannabis em uma propriedade rural. A polícia alegou que a ASCAMED utilizou o Habeas Corpus concedido ao presidente Matheus Hampel para cultivar e comercializar óleo de cannabis sem a devida autorização legal.

Porém, a ASCAMED está em processo desde 2023 para obter a autorização de cultivo e remoção de óleo de cannabis. O processo conta com um parecer favorável do Ministério Público Federal, que autoriza temporariamente o cultivo até a decisão final.

 

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Parecer favorável do Ministério Público Federal quanto ao processo da ASCAMED

 

A associação alega que a operação foi um “flagrante preparado”, já que a Polícia Federal divulgou informações antes do término da operação. O advogado Jorge Lautert entrou com um pedido de autorização judicial para proteger os diretores e os pacientes da ASCAMED, mas o pedido foi negado e um novo recurso será enviado ao TRF4, em Porto Alegre.

 

Acusações e incertezas para o futuro


A Polícia Federal afirma que três membros da Diretoria podem responder ao tráfico de drogas, associação para o tráfico e falsificação de produtos terapêuticos. Mais de cinco celulares, computadores e frascos de óleo foram confiscados.

Carollina Mariga, veterinária da ASCAMED, expressa preocupação com a continuidade do tratamento dos pacientes. “A situação é crítica, especialmente para aqueles com crises graves”, comenta. Júlia Silvester também destaca a incerteza. “Entramos com uma ação para recuperar os frascos confiscados, mas não sabemos o que aconteceu.”

 

Próximos passos da associação

 

Na quinta-feira (20), o presidente Matheus Hampel discursará na Assembleia Legislativa de Porto Alegre, onde explicará os trabalhos da ASCAMED para a Comissão de Segurança e Serviços Públicos.

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Plantas confiscadas pela PF. Imagem: Arquivo Pessoal

Na segunda-feira (17), representantes da associação estiveram presentes na sede da Policia Federal de Santa Maria para regar algumas das plantas confiscadas e dar continuidade aos processos necessários.  

Carollina Mariga finaliza com uma mensagem de resiliência: “Foram três anos para chegar onde estamos, suprindo a necessidade de quase 900 pacientes, e em poucas horas tudo foi destruído. Hoje, a ASCAMED é composta por pessoas que não vão desistir”.