Não é o THC: ONU pode barrar mais outro canabinoide em março
Entidade avaliará em março a inclusão, na Lista II da Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas, de um canabinoide pouco conhecido no Brasil, mas já famoso na Europa
Publicada em 05/02/2025
Imagem ilustrativa: Canva.
A Comissão de Drogas Narcóticas (CND) da ONU se reunirá em março em Viena para discutir a classificação do hexahidrocanabinol (HHC) na Lista II da Convenção da ONU sobre Substâncias Psicotrópicas. A medida impactaria diretamente a indústria global de canabinoides, restringindo sua comercialização a usos científicos e medicinais.
A União Europeia (UE) já manifestou seu apoio à regulação, seguindo recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Se aprovada, a medida obrigará os 184 países signatários a controlar rigorosamente o HHC.
Para conhecer melhor essa discussão, conversamos com a Dra. Jackeline Barbosa, que é médica com doutorado em Ciências Médicas e com mestrado em Neurologia, além de ser presidente da Associação Médica Brasileira de Endocanabinologia. Para Jackeline,
“A ampliação da discussão em torno de novos canabinoides, como o HHC, reflete a crescente demanda por alternativas terapêuticas derivadas da Cannabis”.
O que é o HHC?
Perguntamos se o HHC era um psicoativo, se tinha propriedades terapêuticas e o que já se sabe a respeito dele. A dra disse que, sim, o HHC “é um composto psicoativo”. Mais do que isso, “ele é um canabinoide semissintético, derivado do THC (tetrahidrocanabinol)”. Ela explicou que, embora ele seja “encontrado em pequenas quantidades na Cannabis”, “a maior parte do HHC comercializado é produzida artificialmente por meio da hidrogenação do THC”.
Ainda não existem muitas pesquisas sobre esse canabinoide. Apesar disso, a dra comentou que “relatos anedóticos sugerem que seus efeitos são semelhantes aos do delta-8-THC e do delta-9-THC, porém mais sutis”. Dessa forma, o HHC “poderia proporcionar relaxamento, euforia leve e alívio da dor, mas com menos potência do que o delta-9-THC”.
Como não há muitos dados clínicos sobre as propriedades terapêuticas do HHC, devido à escassez de pesquisas, Jackeline contou que, “com base na similaridade estrutural com o THC, especula-se que o HHC possa ter efeitos analgésicos, anti-inflamatórios e ansiolíticos, embora esses potenciais benefícios ainda precisem ser comprovados cientificamente”.
Impacto no mercado global
Caso o HHC seja classificado, sua venda recreativa se tornará ilegal em vários países. Na Europa, a substância ganhou popularidade em 2021, aproveitando brechas regulatórias. Desde então, diversos países, incluindo França, Itália e Alemanha, já proibiram sua comercialização. A adesão da UE à classificação global poderia resultar em uma proibição definitiva no bloco.
Perguntamos à Dra. Jackeline quais seriam as consequências efetivas dessa classificação. Ela gentilmente nos explicou que, quando a Comissão de Drogas Narcóticas da ONU toma uma atitude dessas, ou seja, classifica uma substância e impõe a ela controle restritivo, são grandes os impactos.
Segundo a Dra., no âmbito da regulação internacional, “muitos países consideram as diretrizes da ONU para definir suas políticas de controle de drogas. Isso pode levar à proibição ou à exigência de regulamentação rigorosa para a produção, distribuição e uso da substância”.
Já em relação à indústria, Jackeline destacou que “empresas que comercializam produtos com HHC, especialmente nos EUA e na Europa, passam a ter que ajustar suas operações, possivelmente descontinuando produtos — e até, se for o caso, toda a sua operação, ou buscando enquadramento legal —, o que onera significativamente ou chega a inviabilizar seus processos.”
Haveria impacto igualmente sobre as pesquisas científicas, já que “restrições legais podem dificultar o acesso de pesquisadores ao HHC, limitando o avanço do conhecimento sobre seus efeitos e potenciais usos terapêuticos”, esclareceu.
Futuro da regulação de canabinoides
O HHC pode se tornar apenas o segundo canabinoide natural, depois do THC, a ser especificamente regulado internacionalmente. A tendência é que novas substâncias surjam no mercado para substituir o HHC, levando autoridades a reforçar os mecanismos de monitoramento.
Na opinião de Jackeline, “qualquer decisão sobre o HHC deveria ser baseada em evidências científicas sólidas”. Para ela, a Comissão tenderia a adotar postura conservadora devido à escassez de comprovações científicas sobre esse canabinoide, “podendo classificá-lo como uma substância proibida até que informações minimamente confiáveis apoiem decisão em contrário”.
Ela pondera que talvez “o fato de se tratar de fármaco obtido por processo semissintético influencie que decidam por uma classificação mais restritiva, até que informação suficiente sobre seu papel terapêutico e sua segurança sejam divulgados”.
Diante de todo esse cenário, a Dra. considera que “é preciso intensificar os investimentos em estudos aprofundados sobre segurança, eficácia e metabolismo de novos marcadores, de forma a garantir o acesso eficaz e seguro a todo o potencial dos fitocanabinoides.”
Lúcida, ela argumenta que,
“idealmente, a regulação do uso medicinal dos derivados da Cannabis precisa ser fundamentada nas evidências, evitando sempre que possível tanto a criminalização precipitada quanto a ampliação do uso sem critérios".
A Dra. Jackeline defendeu, por fim, que "é papel dos médicos, pesquisadores e legisladores trabalhar juntos para que a sociedade tenha acesso a informações confiáveis e a tratamentos que realmente façam a diferença e não levem danos para os pacientes”.
A decisão da ONU em março será mais um marco na regulamentação global dos canabinoides, influenciando legislações nacionais e o futuro da indústria.